segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Racismo de pais para filhos... Herança de família




Depoimento de uma amiga:

Nasci em 1960, “branca” (esse é o termo que se refere à minha cor na certidão de nascimento, porque minha mãe foi me registrar sem a presença do meu pai que, durante o meu nascimento, estava sem poder andar, com o pé quebrado). Porém, minhas irmãs não tiveram a “mesma sorte” (ouvimos isso muitas vezes) e nasceram “pardas”. Somos filhas de pai negro com descendência africana (bisneto de escravos aqui do Brasil) e de mãe branca com descendência europeia (filha de espanhol, neta de italiano e bisneta de alemão). Ele, o motorista que a levava para a escola. Ela, a “alemoa” (apelido de família), criada dentro das “prendas domésticas”, nunca para casar-se com um negro. O preconceito foi o “prêmio” que os dois receberam pela paixão que nasceu entre eles: os brancos não queriam um genro negro e os negros não queriam uma nora branca. Nesse contexto, o “casório” se deu quando ela tinha 16 e ele 24 anos. Ela com o uniforme da escola, depois de ter fugido com o meu pai e o juiz ter chamado meus avós maternos para convencê-los de que, diante do “Inês é morta”, o melhor seria assinar tudo e deixar que os dois seguissem a vida. Assim, meus pais vieram de Ribeirão Preto para São Paulo e aqui tiveram três filhas.Durante a infância, quando nossa mãe passeava conosco, muitas vezes perguntavam se ela cuidava das meninas para que a mãe pudesse trabalhar. O preconceito aparecia nas falas, na forma de racismo. Afinal, uma mocinha tão branquinha, de olhos “cor de mel”, não poderia ser mãe (nem tia) daquelas “mulatinhas”. Outra forma de preconceito, dava-se (nesse contexto da “babá”), na incredulidade de várias outras pessoas, se penalizando por uma moça branca “ter que ser” babá de crianças de origem negra. Certa vez, quando minha mãe tentou viajar sozinha conosco para Ribeirão Preto, mesmo apresentando as certidões de nascimento, só embarcou depois que meu pai foi até a rodoviária e “se mostrou”, provando ser o pai e não deixando dúvidas de que a mãe era nossa! Até hoje, quando saímos as quatro juntas, mães e filhas, ou quando estamos eu e minhas irmãs com os primos e tios do lado materno (todos loiros de olhos azuis) e nos tratamos pelo grau de parentesco, recebemos olhares “inquietos” e ouvimos perguntas ou “buxixos” preconceituosos, como se aquilo não fosse algo possível.
Hoje, quando meu pai sai com a neta branca e de olhos “cor de mel” (agora mais para o castanho) e ela o chama de “vovô”, percebemos que o preconceito já atingiu nossa sobrinha. Ela, tão pequena, nos questiona sobre os olhares e alguns ditos das pessoas, que repetem as mesmas perguntas ou palavras carregadas de incredulidade, vindas das suas heranças. Racismo sempre foi motivo de muita conversa em nossa família, para que a altivez seja nosso legado para os que virão e para que não nos sirva de muleta social. Também nos move para trabalharmos contra essa malfadada “herança”. Aqui em casa não somos brancos e nem negros. Somos negros e brancos num só corpo, numa só família e não há como vivermos e vermos isso de forma segregada.

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