quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

racismo nosso de todo dia



 I
Parada no ponto de ônibus observo diversos policiais procurando alguma prova de um furto ocorrido minutos atrás. Um pouco mais a frente do ponto, vejo uma viatura da polícia militar abordando um homem negro que passava na rua, assim como muitos outros pedestres também passam por ali... Chama atenção pelos policiais terem revistado apenas esse homem e foram embora logo depois. Ouço um casal de negros, donos de uma barraca de doces, observando essa cena e comentando sobre o fato de terem abordado apenas o negro... Entre conversas em torno desse fato, a mulher me conta a seguinte história:
- Certa vez, quando eu estava desempregada, uma amiga que trabalha em uma drogaria...” (ela cita um bairro de classe média de São Paulo) “me disse que estavam admitindo uma pessoa para a limpeza do lugar. Levei meu currículo no dia seguinte, mas fui na parte da manhã, e minha amiga que tinha me indicado estava lá apenas a tarde... quando conversei com a gerente pela drogaria, ela me disse que não sabia da existência de vaga alguma, e que tinha sido um engano...  contei para minha amiga e ela me disse que iria verificar... no dia seguinte ela me disse que horas depois que estive lá, uma outra mulher  levou o currículo e foi contratada naquele mesmo dia... a nova funcionária era branca e eu sou negra.

II
 
Minha casa estava em reformas esses dias e o pedreiro que trabalhava em casa disse, depois de ter acabado o serviço: "(...) nossa irmão, que trabalho de branco que eu fiz aqui.". Aí perguntei pra minha mãe o que isso significava e ela disse: "ele quis dizer que não fez nada errado". O pedreiro era branco e de olhos claros. Estranho como as falas evidenciam um preconceito considerado "normal".
Esses dias eu estava conversando com minha amiga professora e ela me disse que durante o estágio dela uma menina falou com ela encantada: "(...) olha, você é da minha cor. Não quer ser minha mãe, minha irmã?" Ela disse que se surpreendeu com o comentário da menina, da necessidade que havia de uma identificação com a professora que fosse da mesma cor, a ponto de querer adotá-la em sua família de alguma forma.
Outro "bom" exemplo de falas marcadas pelo preconceito é o de uma amiga minha: "Nossa, minha mão está com um cheiro estranho. Hmm... Não sei, de suvaco de nego.". E eu fiquei me perguntando por que razão "de nego" parecia enfatizar algo pior. Infelizmente não foi a primeira vez que ouvia algo assim.
Menina no ônibus: "ah, ele (namorado) já me traiu várias vezes. Umas 17 vezes. Mas me trair com uma menina que não tem nem um olho já é demais ne? Não é uma fala marcada pelo preconceito de cor, mas pela deficiência da menina que supostamente faria seu namorado a trair. E também pela atitude da menina face a um relacionamento abusivo, desigual, onde é "normal" o namorado trair contanto que a pessoa com quem ele a trair for alguém socialmente aceito.


III


Entrei no ônibus, ainda com lugares para sentar, mas permaneci  em pé, porque não demoraria para descer. Uma mulher negra, gordinha, escutava uma música com fones de ouvido em seu celular nos assentos finais do ônibus, e ao seu lado um lugar vazio para quem quisesse sentar ali. Uma mulher entrou, viu que tinha lugares disponíveis na frente, mas percebi que ela queria sentar no fundo. Então, viu que tinha lugar sobrando e caminhou em direção. Quando viu que era uma negra sentada ali, disfarçou, mexeu na bolsa, fingiu olhar as horas no celular, esperou uns segundos e voltou para o assento disponível na frente do ônibus. Poderia não ser uma ação de racismo, mas foi a interpretação que eu tive.
Quando o ônibus parou no próximo ponto, outra mulher entrou e a cena se repetiu quase 100%. Mais uma  mulher disfarçou e sentou em outro banco, aproveitando a oportunidade que a mulher negra estava distraída com a música que tocava em seu celular.


Lamentavelmente repugnante...

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