domingo, 8 de novembro de 2015

Excertos de Diários de Campo



Quando foi indicado na disciplina para relatarmos situações que vivenciássemos ou observássemos no nosso cotidiano sobre o preconceito, a minha primeira percepção é que apesar de saber que isso é rotineiro, eu não reparo tanto nas coisas que acontecem ao meu redor; logo registrar isso me pareceu uma imensa dificuldade.
Primeiro pensei em coisas que já tinha vivenciado, inclusive antes da disciplina. Me vieram à mente duas situações em escolas, uma particular de classe alta e outra uma escola pública que atendia crianças de classe baixa; as duas foram em momentos de estágio de observação. A primeira foi na Educação infantil: a professora lia uma história do Sitio do Picapau Amarelo e, no momento em que apareceu  escrito “preto” se referindo ao tio Barnabé, a professora perguntou para as crianças se elas sabiam o que era preto? Antes que as crianças se manifestassem a professora disse que preta era a cor da pele do Barnabé que era igual a da pele das babás deles (!), em seguida prosseguiu contando a história.
A segunda situação foi referente a um projeto de uma escola pública com o 5º ano do Ensino Fundamental I, o projeto se chamava identidade, e uma das principais formas de registro era o próprio desenho das crianças - inclusive cartazes que eram espalhados pela escola. O que chamava a atenção é que em uma escola em que a maioria das crianças eram pardas e negras, nenhuma se pintava dessas cores, só era usado o rosa claro - chamado por muitas pessoas ainda hoje como “cor de pele”. Isso pode fazer pensar em uma problematização muito maior, mas um ponto positivo é que as crianças já se viam com cabelos crespos e cacheados, por exemplo.
Falando em cabelo, recentemente estava com uma amiga e um conhecido dela  passou e disse “agora você vai deixar o cabelo duro igual sua mãe?”. Ela está deixando o cabelo natural agora e ouviu frases do tipo várias vezes.
Uma das situações que são comuns, inclusive na internet, é a frase “não sou suas negas”, usada normalmente por muitas pessoas em diversos lugares.
Podemos ver que o preconceito é muito presente, mas o pior é que é tão naturalizado e repetido que até pessoas que são contra e pensam a respeito, podem se ver reproduzindo algum tipo de preconceito: precisamos mudar e principalmente nos vigiar sempre.

- Estava almoçando com um colega de trabalho, quando conversávamos sobre o desrespeito/mal humor de algumas pessoas que nem bom dia falam, quando meu colega do nada falou: - O pior é saber que muitas vezes te evitam por que você é negro. Perguntei para ele se era muito evidente isso e ele disse: Quando você senta em um ônibus e todos os bancos são ocupados exceto aquele do seu lado você acaba notando…

- Poucos dias após ter raspado o cabelo, pois não tive paciência para fazer a transição capilar. Deparei-me com uma pergunta de uma educanda da sexta série do Ensino Fundamental, “prô, qual o nome desse corte de cabelo?”.  Respondi que não tinha nome, que apenas havia raspado para deixar crescer sem química. Foi quando, Fernanda, esse é o nome dela, me disse que também estava parando com a química. Apesar da pouca idade, Fernanda é muito madura, politizada e antenada. Essa conversa aconteceu no segundo semestre do ano passado e hoje Fernanda é dona de um Black Power lindo! Identifica-se com a cultura de seus antepassados e sempre se destaca na sua turma. Por isso mesmo, acho que me doeu anda mais do que já doeria saber que ela passou por uma situação de racismo. E o pior de tudo é que essa situação aconteceu em nossa escola, com colegas  de escola e de bairro. Após a sala de Fernanda ter vencido um campeonato de queimada, o qual ela só participou como torcedora. Fernanda ouviu da torcida do primeiro ano do Ensino Médio, que tinha “cabelo de favelada”, “cabelo duro”. Eu não estava na escola naquele período, mas tentei pelo mesmo conversar com ela. Os alunos não foram identificados (?!). Mas. Um trabalho está sendo feito. Revoltante! Decepcionante! Fernanda continua forte, no fundo sabe que essa infelizmente, não será a última vez em que terá de enfrentar a ignorância alheia.

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