sábado, 12 de setembro de 2015

Sobre "Que horas ela volta?"

Dois posts:

Que horas ela volta e os sonhos da minha mãe para mim
"Embora bolsista do Prouni, eu só ingressei e permaneci na universidade porque dona Luzia sempre esteve na dianteira de minha vida, financeira ou emocionalmente. Porque ela me levava às 6h no ponto de ônibus para ir à escola técnica, nas ruas sem iluminação de Perus. E durante o ensino fundamental. E antes – até – quando, aos seis anos de idade, foi de sua camisa rosa que li a primeira palavra de minha vida – PA-KA-LO-LO – após ela brincar comigo de escolinha, ensinando-me as vogais.
Sei bem que muitas amigas de minha mãe não puderam estar presentes na vida de suas filhas como gostariam. Assim como Val no filme, para que tivessem uma vida melhor que a delas, essas mães – sempre doadoras de si próprias- abrem mão da maternidade com o coração nas mãos, mas com  o sonho de que suas crias serão maiores que elas puderam ser" (Jéssica Moreira).

- Eu fui a filha da doméstica que entrou na Universidade
"Eu fui a filha da doméstica que entrou na Universidade. Por muito tempo isso foi motivo de vergonha e angústia. Por muito tempo eu menti sobre o que minha mãe fazia e onde eu morava. Quando me perguntavam eu desconversava, já tinha decorado todo um texto a depender da ocasião: “ela vende roupas, ela traz coisas do Paraguai, ela vende cosméticos”.
Mentir passou a ser uma constante para negar a minha realidade e me afastar da pobreza e negritude. Eu não queria ser fracassada e nessa sociedade você aprende que não ter, não possuir é ser fracassado. Só não é ensinado o que foi tirado e sequestrado de você. [...]
Demorou para que eu compreendesse que meu sofrimento era fruto da desigualdade e não da incapacidade da minha mãe em me garantir uma vida confortável. Por muito tempo eu odiei minha mãe e tive repulsa da pessoa negra e pobre que ela era. Por muito tempo eu odiei minha mãe e tive repulsa da pessoa negra e pobre que ela era. Por muito tempo eu odiei minha mãe e tive repulsa da pessoa negra e pobre que ela era. Eu repito porque muitas foram as vezes em que eu fui violenta, arrogante e me envergonhei da mãe que eu tinha. Isso é o que uma sociedade desigual faz com seus oprimidos, filhos culpabilizarem suas mães por sua pobreza e miséria. Filhos odiarem suas mães por não darem conta ou compreenderem a desigualdade.
[...] Vocês, [meus] amigos, tem uma importante contribuição para aquilo que me envergonhava se tornasse orgulho, e sobretudo para que eu me permitisse amar e admirar minha mãe da forma preta e pobre como ela é. Eu demorei quase trinta anos pra amar e admirar minha mãe preta e pobre porque ela personifica o que é considerado fracasso numa sociedade desigual: a mulher negra, pobre e periférica que se ocupa do trabalho doméstico.
A desigualdade também sequestra nossa possibilidade de amar". (Xênia Mello)

Um comentário:

  1. Diante a película "Que horas ela volta?", a reflexão é impactante perante a desigualdade social e racial que ainda persiste no país. Ao ver o filme nesse sábado (03/10/15), no Espaço Itaú, área nobre de São Paulo, causou-me bastante incômodo a reação do público, que achava engraçado o preconceito contra os pobres e desfavorecidos que mostra no filme. Como se isso fosse e devesse ser natural. Diante um filme forte, que demonstra como pessoas se sacrificam em prol de outras, se rebaixam para que outras pessoas consigam uma igualdade, enquanto outros ganham tudo de mão de beijada, e mesmo assim não sabem aproveitar de suas vidas. A humanidade esquece que não são os valores financeiros ou pigmentação de pele que se faz o caráter de um ser.

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