segunda-feira, 7 de setembro de 2015

no escuro do cinema

É antes mesmo do filme começar: os trailer se sucedem e incomoda a ausência de mulheres e homens negros. De repente começa uma propaganda, sem que se saiba muito bem do quê. A música é pungente e há bolhas de sabão por toda a tela, enquanto uma voz em off pergunta "quanto tempo esse momento vai durar?". Sucedem-se cenas comuns à maioria das pessoas que residem em sociedades atravessadas por valores ocidentais: crianças brincando,  pai e filha se divertindo num dia de chuva, um casal às portas do primeiro beijo, um almoço em família... A fotografia é bonita, mas algo incomoda, em especial quando ao final descubro que é vídeo de comemoração de aniversário de um supermercado brasileiro. Aquelas pessoas não parecem brasileiras - são "genéricas" demais, no sentido de sua semelhança com as imagens onipresentes em propagandas, revistas, novelas... Tenho a sensação de que não há nenhuma pessoa negra. É só quando chego em casa e vou rever o comercial no youtube que descubro que há, sim: uma criança nas primeiras cenas, ao fundo, desfocada em meio às bolhas; e o pai e a filha da segunda cena, divertindo-se na chuva, num carrinho de supermercado. O contraponto não é suficiente para desfazer a impressão. O vídeo é todo feito para emocionar, mas ao final, a única emoção que me resta é cansaço e tristeza, por mais uma vez ter atirada aos meus olhos a imensidão da distância entre o que somos e o que pensamos ser.

Ao anotar esse fato, me lembro de uma cena. Já há alguns anos, uns três talvez. Trânsito de manhã cedo, na Praça Panamericana e meu ônibus parado. Em certo momento, paro de ler e olho para os carros. Vejo uma VUC com uma linda foto de uma menina negra, vestida de princesa. Um pouco de esperança esquenta meu coração: finalmente, alguma marca infantil se tocou e resolveu ter também modelos negras. Os carros andam um pouco e posso ver agora mais do que a foto: posso ver que a VUC recolhe doações para crianças órfãs... A lentidão do trânsito de repente uma metáfora tão perfeita para o desenrolar da história.

E me lembro ainda de outra cena, também antiga. Ando com minha família num shopping de Londrina - Paraná e num dos corredores vejo um quiosque de bolsas e malas para bebês e crianças. Enfeitando o quiosque, fotografias de crianças, muitas delas negras. Sinto vontade de entrar e comprar alguma coisa, lamentando que meu filho cresceu e que não tem mais ninguém grávido perto. Essa a loucura desse nosso país: o tamanho da surpresa que nos acomete quando uma marca se lembra que existem pais e mães negros, ou que crianças negras também têm pais e mães consumidores...

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